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10/02/2000
O QUE PENSA CLIFFORD STOLL, UM CAÇADOR DE HACKERS
Luciano Ramalho MAGNET

Clifford Stoll é uma ave rara. Formado em astrofísica, trabalhava como um obscuro administrador de sistemas em um laboratório do governo americano. Até que decidiu caçar um hacker que vinha utilizando os computadores do laboratório sem permissão. Nos 18 meses seguintes, dedicou sua vida a essa caçada, que acabou sendo bem-sucedida. Essa história virou um livro: The Cuckoo's Egg, "O Ovo do Cuco", uma das melhores introduções ao fascinante mundo da espionagem digital.

De astrônomo e administrador de sistemas, Stoll passou a ser um especialista em segurança de redes altamente requisitado. Mas o livro acabou virando um best-seller, e Stoll, uma celebridade. Seu segundo livro, Silicon Snake Oil, questiona o valor da chamada "infovia da informação", o grande projeto nacional americano de universalizar o acesso à Internet, anterior à própria Web. Foi um best-seller ainda maior.

Hoje, Clifford Stoll não precisa mais se aborrecer com os áridos detalhes da segurança de sistemas. Virou um livre-pensador, que vive dos royalties de seus livros e palestras. Cliff está agora escrevendo seu terceiro livro, que enfoca o desenvolvimento da Internet após o surgimento da Web, e seus efeitos, em sua opinião negativos, na sociedade. É sobre isso que ele conversou com a Magnet.

Magnet: Quais são as principais objeções que você levanta contra a Internet?

Stoll: Na minha opinião, as questões mais importantes são aquelas que quase ninguém debate. Todo mundo diz que a Internet é revolucionária, que é contracultural, que permite a comunicação com qualquer pessoa. Mas qual é a desvantagem de conectar-se à rede? Ninguém faz essa pergunta. Meus amigos acham que o pior da Internet são spam, junk mail, as salas de bate-papo. Para mim, o problema é aquilo que a Internet me faz perder como ser humano. Quando estou diante do computador, as horas escorrem sem que eu perceba; ao me desconectar, não fiquei mais inteligente, não entrei em contato com nada novo. Minha visão fica focada na área restrita descortinada por alguns websites e me afasta dos meus filhos, dos meus livros. Por outro lado, ao terminar de ler um bom livro, é certo que aprendi alguma coisa, que me tornei uma pessoa diferente. Na Internet me sinto usando aquele bloqueador de visão lateral que se coloca em cavalos.

Magnet: Numa outra entrevista, você afirmava não se importar se as pessoas estão usando o computador para escrever. Você diria que usar um micro numa aula de redação para crianças atrapalha o aprendizado da escrita?

Stoll: Em primeiro lugar, ninguém usa mais máquina de escrever; ninguém escreve mais a mão; todo mundo usa processador de texto. Hoje não é possível comprar uma máquina de escrever, porque não se fabrica mais. Nesse sentido, é claro que se deve usar processador de texto numa aula de redação. Entretanto, acho que usar processador de texto é a parte trivial da escrita. A parte essencial é ter uma idéia e traduzi-la em palavras. E acho que isso não tem nada a ver com teclado, disquete ou website. Tem tudo a ver com pensar e escrever, ter pendor para a linguagem. Portanto, a máquina que se usa para escrever é imaterial. Eu desconfio que o computador prejudica a criatividade na escrita; ele favorece o ato de copiar e colar. Copiar e colar é somente duplicação, é uma máquina eletrônica de xerox. Todo processador de texto tem um botão de copiar e colar, mas nenhum tem um botão de criar ou inventar.

O processador de texto é essencial para editar, mas não considero que seja parte importante da escrita criativa. Ensinar redação com o computador é mais ou menos como ensinar matemática com uma calculadora. Facilita a parte mecânica, e daí passamos a considerar que um bom escritor é aquele que domina o mecanismo.

Há dois mil anos existem bons escritores, o que significa que a maioria dos bons livros foi escrita sem um processador de texto. Será que a qualidade da escrita hoje é melhor do que era há vinte anos, antes do processador de texto? Talvez a resposta seja: a qualidade caiu. Não sei.

Magnet: Segundo John Perry Barlow, a Internet, a tecnologia digital, oferece ao Hemisfério Sul uma oportunidade de passar por cima da Revolução Industrial, sem ter que cumprir todas as suas etapas. Como você enxerga essa questão?

Stoll: Há cinqüenta anos ouvíamos falar desse mito. Costumava-se falar sobre como tecnologias alternativas iriam permitir que países do Terceiro Mundo e do Hemisfério Sul queimassem etapas sem ter que cometer os mesmos erros das sociedades industriais. Eu não acredito nisso. Eu desconfio que o Brasil, a Argentina e o Peru irão cometer toda uma nova série de erros, como vêm cometendo nos últimos 150 anos.

Acredito que uma boa sociedade é fruto de lutas difíceis, árduas. Luta pela liberdade, pela educação, pela verdade. Não acredito que botar uma enciclopédia na mão de uma pessoa irá fazê-la apreciar História. O único jeito de tomar gosto por História é debruçar-se sobre o assunto durante anos. Eu desconfio das coisas fáceis e simples.

Quatro anos atrás, a Copa do Mundo foi sediada nos Estados Unidos e os jornalistas diziam que era a nossa chance de saltar para o futebol de nível mundial. Isso não aconteceu. A solução para se conseguir um bom time não é comprar jogadores de outro país, mas desenvolver, ao longo de décadas, o amor pelo esporte, fazer com que as crianças se interessem desde cedo, fazer com que os adultos conversem sobre futebol até a velhice. É assim que se constrói um time de qualidade, o espírito, o amor pelo esporte. E eu discordo de John Perry Barlow. Acho que se pode passar por cima de todo tipo de erro, mas... cometendo novos erros. Acho que a nossa função como seres humanos também é cometer erros, nos atrapalharmos e fazermos coisas sem propósito.

Magnet: O que seria necessário para melhorar a qualidade da informação na Internet?

Stoll: Falta qualidade editorial na Internet. Um bom editor rejeita 99% de tudo o que chega às suas mãos, deixando passar pelo filtro apenas 1% de texto bem escrito e assuntos importantes. Como não há editores na Internet, o resultado é um monte de informação barata e de acesso fácil, mas que não é de boa qualidade. Se eu quiser informação de qualidade, de acesso fácil e rápido, posso ir ao site da Lexus, Nexus, Dow Jones Online, O Globo, mas aí tenho que pagar por ela. Conectar-se à Lexus custa US$ 200 por hora. Não é barato. Se eu quiser informação boa e barata, posso ir a uma biblioteca ou comprar uma revista, mas aí o acesso não é fácil nem rápido. Tenho que pagar pela qualidade editorial de alguma maneira.

O mesmo acontece com as notícias. O lugar mais rápido onde as notícias podem chegar instantaneamente é a TV. A notícia demora mais para chegar ao jornal, mais ainda para chegar à revista e ainda mais para chegar ao livro. Mas em cada estágio será melhor editada, melhor revisada, terá passado por mais reflexão. A matéria da TV será menos precisa, não terá detalhes; no jornal a matéria será mais bem escrita; o artigo da revista incluirá outras referências; o livro expressará as idéias de um indivíduo. Na Internet podemos obter instrução barata, fácil e rápida. Mas não é de boa qualidade. Se você quiser uma boa instrução, terá que pagar um bom professor! Terá que estudar muitas horas. Isso não é rápido nem fácil.

Meu problema com a Internet é que ela promete o barato, o rápido e o fácil, mas não menciona a qualidade. E o "caso de amor" que temos com a rapidez e a facilidade pode fazer com que ignoremos a qualidade. É isso o que está errado na Internet.

Magnet: Diferentemente da televisão, na Web você pode comunicar suas idéias a outras pessoas. Você não acha que isso faz diferença?

Stoll: Quantas pessoas você acha que a sua mensagem pode alcançar? Você realmente acredita que na Internet a sua mensagem pode atingir um milhão de pessoas?

Magnet: Depende da mensagem, não?

Stoll: Eu penso que existe uma relação entre qualidade de comunicação e facilidade de comunicação. Enviar spam ou junk mail é fácil, mas enviar um email bem elaborado é mais difícil. Enviar uma carta escrita a mão é muito mais difícil. Qual terá o maior efeito? Bem, a carta escrita a mão terá mais efeito sobre uma pessoa. A comunicação entre duas pessoas é a mais importante que existe. É dispendiosa, demanda tempo, exige que as pessoas se reúnam, mas é comunição de alto valor. Abaixo disso temos o telefonema - nós poderíamos fazer esta entrevista por telefone, mas não seria tão agradável e significativa para mim. Abaixo do telefonema poderíamos ter uma entrevista via email. Abaixo disso poderíamos ter uma entrevista numa sala de bate-papo.

Minha tese é a de que, quanto mais próximo você está de alguém, melhor é a comunicação, e quanto mais eletrônica é a comunição, mais baixa é a qualidade. Quanto mais fácil é uma coisa, mais baixa é a qualidade. Eu visualizo um triângulo econômico. Se eu quiser comer uma comida barata, de acesso fácil e rápido, vou ao McDonald's. Mas a comida não é boa. Se eu quiser comer uma comida boa, de acesso fácil, vou a um restaurante. Se eu quiser comer uma comida boa que seja barata, eu cozinho em casa. Minha tese é a de que a comida não pode ser ao mesmo tempo boa, barata e de acesso fácil. Com relação à informação, se eu quiser informação barata, de fácil acesso, vou à Internet. É o McDonald's da informação.

Magnet: Alguns gurus de programação diziam que a má qualidade da televisão se devia ao fato de os intelectuais a terem condenado desde o início. Como eles não quiseram se envolver, ela foi assumida pela área de marketing, que tem interesse justamente nas coisas que você enxerga como ruins. Você concorda com isso?

Stoll: Bem, não concordo que os primeiros entusiastas da Internet tivessem algum controle ou tivessem estabelecido alguma direção para a rede. Até onde posso me lembrar, no início havia principalmente militares e universidades. Em 1975, nós trocávamos mensagens apenas para verificar se estávamos de fato conectados. Hoje, todos os acadêmicos estão na Internet; qualquer faculdade do mundo tem Internet na sala de aula. Mas eu não conheço nenhuma organização que seja contra a Internet. Milhares de grupos usam a Internet para promover a ecologia, causas políticas etc. Entretanto, não vejo ninguém se dedicando a tornar a Internet melhor. Todo mundo procura tornar a Internet parecida consigo próprio. Se uma pessoa deseja pensar por si, talvez deva livrar-se da televisão e do modem, porque veiculam idéias de outras pessoas e isso ocupa o lugar do pensamento individual.

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